A Igreja é divina e humana
Há homens e mulheres, irmãos na fé católica, que ficam perplexos quando um (a) filho(a) da Igreja (leigo(a), religioso(a), sacerdote ou bispo) comete algum erro. É, pois, a esses cristãos atônitos que dedicamos, com apreço, o presente artigo a fim de deixar claro o seguinte: a Igreja, como Corpo místico de Cristo prolongado na história (cf. Cl 1,24; 1Cor 12,12-21), é divina, mas, formada por filhos pecadores, é também humana, segundo a parábola do joio e do trigo (cf. Mt 13,24-30) ao relatar que, no campo do Senhor, junto ao trigo (os bons) cresce o joio (os maus).
Aqui, se coloca um impasse: por que Deus permite que os pecadores permaneçam na sua Igreja? – Responde São Tomás de Aquino († 1274) que é pelas seguintes razões:
a) o pecado de uns, longe de desanimar, deve incentivar os fiéis a serem mais santos em resposta supridora à iniquidade;
b) o Senhor quer dar a cada um desses pecadores a oportunidade de se converterem, especialmente por meio do Sacramento da Confissão;
c) mesmo com o mau exemplo dos errantes, a Igreja não deixa de exercer a missão que Nosso Senhor lhe confiou: o ouro da graça divina pode passar por mão sujas, mas não perde o seu pleno valor (cf. Catena Aurea. Vol. 1. Campinas: Ecclesiae, 2018, p. 451-479).
Sim, desde o início do Cristianismo, de um modo particular a partir de Santo Agostinho († 430), a Igreja, lembrando as parábolas do joio e do trigo, já citada, e da rede que recolhe bons e maus peixes (cf. Mt 13,47-50), demonstra que sempre houve problemas nas comunidades: incesto (cf. 1Cor 5,1); injúrias ao apóstolo Paulo (cf. 2Cor 2,5-11), renegação da doutrina (cf. Hb 6,4-8; 10,26-31), falhas morais diversas (cf. Gl 1,6; 3,1; 5,4), esfriamento da fé (cf. Ap 2-3) etc.
Não obstante às falhas de seus filhos, em Mt 28,20, o Senhor Jesus promete estar com a Igreja até o fim dos tempos. Daí Dom Estêvão Bettencourt, OSB, comentar: “Jesus promete à sua Igreja uma assistência vigilante… Igreja caracterizada pela sucessão apostólica; Jesus não promete estar com os mais santos ou os mais cultos, mas, sim, com os Apóstolos e seus legítimos sucessores [os Bispos — nota nossa] até o fim dos tempos.
Muitas pessoas procuram o Cristo na comunidade mais simpática ou mais emocionante (critérios subjetivos). O que importa é não perder a comunhão com essa linhagem [dos Apóstolos em seus sucessores — nota nossa], mesmo que nela se encontre figuras humanas pouco dignas (o joio não impede o trigo de frutificar)” (A Igreja divina e humana. Rio de Janeiro: Mater Ecclesiae, 2004, p. 6. Opúsculo 35 — base deste artigo).
Vê-se que só se afasta do colo da Mãe Igreja aquele(a) que desconhece em profundidade a fé que diz professar ou que se deixa levar por sentimentalismos capazes de colocar o bispo X ou o padre Y no lugar de Deus. Algo que, se feito conscientemente, é pecado. E pecado grave.
Em sentido contrário, quem entende que a Igreja é divina e humana concorda, neste ponto, com o filósofo Jacques Maritain ao escrever que “os católicos não são o Catolicismo. As faltas, as lerdezas, as carências e as sonolências do católico não comprometem o Catolicismo… A melhor apologética [defesa — nota nossa] não consiste em justificar os católicos quando erram, mas, ao contrário, em assinalar esses erros e dizer que não afetam a substância do Catolicismo e só contribuem para melhor trazer à tona a força de uma religião sempre viva apesar deles… Não nos considereis a nós pecadores. Vede, antes, como a Igreja sana as nossas chagas e nos leva trôpegos para a vida eterna… A grande glória da Igreja é ser santa com membros pecadores” (Religion et culture. Paris, 1930, p. 60).
Possam estas reflexões levar-nos a confiar na mensagem transmitida pela Mãe Igreja por meio de seus ministros (às vezes pouco dignos) e rezar sempre pela nossa conversão e pela dos nossos irmãos. Afinal, somos chamados a ser santos como o Pai celeste é santo (cf. Lv 19,2; Mt 5,48; 1Pd 1,16).